Primeiro fim-de-semana na «cidade maravilhosa». Domingo. Três da tarde. Passeio pelo Centro (nunca, mas NUNCA!, a um domingo à tarde!). Depois de visitar uma exposição de artistas plásticos brasileiros, caminho em direcção ao CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil. A visita prometia, não fossem as ruas estarem completamente desertas. Como dizem por cá, "dei mole". Dois moleques, 14 ou 15 anos, provavelmente cheiradores de cola ou consumidores de crack a desejarem uma das muitas doses do dia, agarram, posso dizer gentilmente, o meu braço e sussuram-me ao ouvido "perdeu! isto é um assalto!". Ainda meio incrédula com o acontecimento, não largo a mala, que estava recheada dos meus cartões e de todos os documentos, passaporte incluído, e digo-lhes "espera! eu já te dou o dinheiro, espera! não precisas levar a mala!". Pff... tive muita, mas MUITA sorte. "Eu tô armado, olha que eu tô armado!", gritava o garoto, deixando adivinhar por debaixo da t-shirt (ou "camiseta") a arma de que falava. Não sei se era verdade ou não, na realidade, não quis nem saber. Passei-lhes o telemóvel e os 150 reais que tinha acabado de sacar da caixa multibanco. Ao meu companheiro de passeio tiraram a mochila com a roupa do fim-de-semana e deixaram-lhe os cartões do banco. E lá desapareceram os dois pela rua lateral.
Não passaram nem dois minutos, um carro da polícia. Entrámos, andámos às voltas pelo bairro, mas sinal dos miúdos... nada. Bem, ao menos, não me mataram, penso hoje.
Realmente, nós não temos noção. Nem um mínimo de noção da guerra que habita o Rio de Janeiro, da miséria, do tráfico de drogas que anda a destruir este país fantástico, onde podemos deixar cair um caroço de goiaba que logo desponta e se transforma em árvore. Onde podemos lavar a nossa alma numa cachoeira perto de casa e sentir um cheiro tupi no nosso corpo. Onde alguém caído na rua tem sempre uma mão pronta a ajudar.
Não temos noção do que se passa na rua atrás de Copacabana, Ipanema ou Leblon. Naquelas praias, convive-se tanto com gente da alta, cheia de silicone no peito, na bunda e nos lábios, como com pessoas das afamadas favelas, onde a droga é uma profissão. Onde, todos os dias, morrem adolescentes por causa disso. Rapazes, mais precisamente. O Brasil está a ficar sem homens, porque eles morrem precocemente antes de terem barba sequer. E, mais preocupante, está a ficar sem gente que exerça a figura paterna. Ninguém sobra para lhes impôr limites, ninguém sobra para que eles possam admirar. Ninguém que possa ser o seu herói de infância.
E, por isso, a vida não vale nada e saem matando a torto e a direito por mais uma dose de crack ou de cola. A heroína não existe aqui, a cocaína é só para alguns e a maconha... bem, essa também mata. Mata quando alguém fica a dever dinheiro a outro alguém. Matou o meu vizinho do lado, por exemplo [suspiro]. Fora aqueles de que não se fala e que não saem nas notícias para «não manchar a cidade».
As favelas (mais simpaticamente denominadas «comunidades») são tudo aquilo que vemos na «Cidade de Deus», na «Tropa de Elite» ou na «Última Parada 174». Não é ficção, mas realidade. Demasiada realidade para o meu gosto.
Para nós, europeus, parece uma coisa exótica, chegamos até a delirar com o 'bom gosto' do Fernando Meirelles, mas isso só acontece pela nossa COMPLETA falta de noção. Faz-me chorar, o meu estômago fica em espiral quando penso nos meus meninos de S. Sebastião. É o dia-a-dia que eles conhecem. O cusco do Almir, o divertido Nicholas, a linda Vitória, a doce Karen, a esperançosa Cínthia ou o talentoso Eduardo. E o meu mais-que-tudo do Robinho que enrola o seu bracinho em torno da minha cintura, beija-me o rosto sem parar e pergunta-me se eu não posso voltar em 2020, porque aí ele já será crescido e terá 20 anos [opáááá...]
A vida é assim mesmo, cheia de coisas boas e cheia de coisas más.
Por isso, tudo o que podemos fazer é aproveitá-la e aceitá-la como ela é. E, na verdade, somos nós (e não os outros) que escolhemos fazer dela o que queremos. Nada é perfeito e nós muito menos. TODOS somos apenas humanos e construímos o nosso caminho, à custa de aprender. O que quer que seja que isso queira dizer.