segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Brasilês ou Portugueiro??

"Você é de Portugal?! Não parece nada, fala tão bem português...!"

Pois é, engana muito, quem diria que vinda de PORTUGal eu falaria tão bem o PORTUGuês... estranho, não é?

Mas até que nem é muito estranho assim, porque quando eles dizem "português", na realidade, querem dizer "brasileiro". O equívoco surge porque passam a vida toda a ensinar-lhes na escola que isso do brasileiro não existe e que a língua que falam é o português. MAS NÃO É.

Esta é uma questão que demorei uns meses a aperceber-me. Até então, pensava estar a comunicar-me muito bem com os nativos, até já estava a largar o sotaque local forçado, quando de repente, pah! 'Pera lá... isto é o mesmo idioma, mas são línguas diferentes. O peso semântico das palavras não é o mesmo, um simples "adeus" causa um arrepio na espinha de um brazuca, porque "adeus?? mas, mas... você vai morrer??". O "adeus" aqui é em definitivo, quando já estamos mesmo a ir "a(té) Deus".

PICA (seja em "isso dá-me uma ganda pica" ou "isso não pica?") é palavra proibida junto de menores de idade, ao passo que eles usam e abusam da moQUECA de peixe e do BOBÓ de camarão. Pois é, experimentem lá andar pelos restaurantes em Portugal a perguntar se fazem bobós para duas pessoas...

Xana ou Xaninha também é proibido, mas não no Estado do Rio de Janeiro. Aqui o negócio é mesmo Xota ou Xoxota. Se não viajar para o Nordeste, estou safa.

O verbo "vir-se" (já que foi lançada esta temática) provoca-lhes uma sensação tão estranha que eles não sabem se hão-de rir-se do ridículo ou chorar de tamanha falta de imaginação. Para eles "gozar" já está bom demais. Concordo. Gozar significa retirar prazer de algo. Agora vir?, vir de onde? Da casa-de-banho ou assim? Onde raio estivemos durante o acto? Em Marte? Ou a decidir de que côr pintar o tecto? Realmente, devemos fazer uma petição online para mudar de verbo. É triste, gente, é muito triste, termos de vir de algum lado em vez de gozarmos o momento.

"Meter"... bom... como nunca sei se é "meter" ou "pôr" que tem um duplo significado, estou a aprender a utilizar a linguagem erudita e agora já só conjugo o verbo "colocar". Que chique, não?

Conjugar verbos é outra coisa que lhes faz muita confusão. A mim o que me confunde é eles dizerem cinquenta verbos seguidos para descreverem apenas uma acção ou pensamento. Por exemplo, "eu tou achando que tou querendo ir viajar esse final de semana". Um "acho que vou viajar" seria suficiente, não? E já ouvi pior: "aí eu peguei, virei, fui, falei e disse assim: oh fulano...".

Uma coisa muito interessante (e que já me causou alguns dissabores) é eles ficarem de pé atrás quando uso a forma imperativa dos verbos. Ou seja "fecha aí a janela, pf" ou "passa-me o sal" é tão corriqueiro no nosso dia-a-dia tuga que não compreendemos que os podemos ofender com isso. Eles não utilizam de todo essa forma verbal, dizem sempre "deixa eu te pedir para fechar a janela, por favor" ou "você pode me passar o sal, fazendo o favor".

Esta questão está directamente relacionada com a colonização portuguesa, que destruiu os índios e escravatizou os africanos. Esta herança está muito patente ainda no inconsciente colectivo brasileiro e doi-lhes fundo na alma sentirem que um tuga continua (ou parece querer continuar) a "mandar" neles. É uma revolta muito grande, esta sensação de submissão forçada. Talvez nós, mulheres, possamos entendê-la um pouco, a essa sensação, pois também nós guardamos na memória do nosso duplo cromossoma X toda uma história de submissão e opressão.

Brasil é o admirável mundo novo, onde todos os povos se misturam, onde todo o mundo se encontra para se transformar na verdadeira aldeia global de que todos falam. Brancos, negros, amarelos, vermelhos, mestiços, mestiços, mestiços... Um país que é todo um continente e que só fala português por causa de um rei cobarde que fugiu com a sua corte e desembarcou na Bahia de Todos os Santos, em 1808.

Brasileiro ou Português, na verdade, não é importante, porque é aqui que desemboca o que viremos a ser um dia.

2 comentários:

  1. E depois, e depois!?!? Queremos SABER MAIS... conta mais, conta. Queremos ver, ler, ouvir, sentir os cheiros dai.

    SAUDADE BOA!

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  2. Olá. Depois de um post tão recheado tenho de dar também uns bitaites.

    "O verbo "vir-se"
    Não acho q seja assim tão confuso...não se trata de "vir de onde" mas de "vir de dentro". Acho que todos sabemos o que sai no momento em que se vem que nada tem a ver com "gozar". Esse tenta referi-se a um período mais alargado (para os sortudos) que mesmo assim não faz sentido. "Quer Goza?" Gozar? Com quem? com essa forma de falar esquisita? Então vou nessa.

    "a colonização portuguesa, que destruiu os índios e escravatizou os africanos."
    Mas hoje, o Brasil protege os Indios que restam na selva Amazónica. As pessoas são livres de passear em Copacabana em segurança. Quem nasce em favela pode ser quem sonha. Tudo muito melhor.
    No entanto os EUA apenas acuparam uma terra livre e deserta. Onde no Alaska se respira o ar fresco de um mundo descolonizado.

    Nesta Africa livre é tão provavel ver um presidente branco na África do Sul como um mulato na Casa Branca. As grandes metrópoles de outros tempos como Maputo, vivem hoje dias de prosperidade.
    Os Cubanos deixaram-lhes o Comunismo. Os Russos Kalashnikovs, Stingers e T-42. Nos deixámos sangue suor e lágrimas.

    "doi-lhes fundo na alma sentirem que um tuga continua (ou parece querer continuar) a "mandar" neles."
    Doi-me igualmente fundo verificar que os Consulados Portugueses são entupidos com pedidos de renovação de Identidade dizendo-se "Portuguesa do Brasil".
    Mas durmo muito mais descansado depois de pensar que certamente amanha haverá uma centena de marmejos a fazerem pedido de Passaporte Brasileiro sendo "Brasileiros de Portugal".

    Falam esta língua e rezam a Deus. E ainda bem. Sem estes dois não haveria prozac suficiente no mundo que aliviasse a dor desta gente.

    PS- "também nós guardamos na memória do nosso duplo cromossoma X toda uma história de submissão e opressão." É isso e a dor que um puto de Hackney sente ao pontapear um anónimo. É a revolta da escravidão dos seus antepassados.
    Sinceramente. Não ha paxorra pra esta conversa da opressão feminina. É como eu chamar o Benfica de melhor do Mundo por ter ganho a liga dos campeões em 1961. Ou pedir ideminizações ao governo Francês pela fome causada durante as invasões francesas. Já é mais batido que o best of dos guns & roses.

    PS2 - Depois do comentário mordaz ficam os meus parabéns pelo post e blog que (apesar de não parecer) gostei muito. Não podia era deixar de ...deixar a minha opinião. Beijos e abraços.

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